Este texto, misto de crônica e resenha, foi publicado na página 8 da edição 7926 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 21/01/2023. Eu mesmo revisei o texto, o que significa que a detecção de erros é dificultada.
Na semana passada escrevi
sobre um sonho que me instigou a achar um livro do Mario Prata no meio da
bagunça do meu quarto. Isso foi em 2018 e a obra me deixou dividido. A
coletânea, chamada 100 Crônicas, foi lançada em 1997 e compila os textos que
ele escreveu para o Estadão entre 1992 e aquele ano. Há uma versão atualizada,
com a adição de mais de vinte novos artigos, mas essa nunca vi por aí.
Inicialmente fiquei meio com o pé atrás, pois li algumas crônicas dele
justamente n’O Estado de S. Paulo, na década de 1990, e as achei horríveis. A
percepção que tinha é que ele era um engraçadinho sem graça e metido a
sabichão. Deixei o ranço de lado e li uma crônica por dia dessa compilação. A
maioria é boa, algumas são ótimas. Deliciei-me com a leitura de várias. No
entanto, eu não estava de todo errado: algumas são horrorosas mesmo, estava
certo à época também. É um cronista irregular e calhou de só ler a pior
produção dele no jornal. Além das características que já tinha notado, o
cabotinismo dele em contar proezas sexuais num tom debochado, e, pior ainda,
numa crônica em particular, “Você Já Assediou Alguém Hoje?”, é de um machismo
nauseabundo. Não é questão de se falar em bobagens como politicamente correto
ou politicamente incorreto, sexismo já era escroto à época, era antes, continua
a ser, sempre será. No entanto, não deixa de ser curioso que esta idiotice de
bradar ser politicamente incorreto seja hoje um ativo da direita: Prata, apesar
de uma crônica muito dúbia sobre ideologia neste volume, é (ou era) nitidamente
de esquerda. Fica horrorizado com a aproximação entre FHC e Maluf e conta uma
boa história sobre Antônio Benetazzo, um dos 434 mortos e desaparecidos,
reconhecidos oficialmente, vitimados pela repressão iniciada no golpe de 1964, além
de relatar seu próprio envolvimento no combate à ditadura empresarial-militar.
Outro fascínio que suas crônicas traz são as memórias de escritores já
falecidos, como Caio Fernando Abreu e Ana Cristina César. Além disso, ele incentiva
seus leitores a conhecer outros autores, como o cabo-verdiano (do país
africano, não da vizinha cidade de Cabo Verde) Germano Almeida e o surrealista
brasileiro Campos de Carvalho, ainda vivo naquela década e idoso. Deste último,
ele conseguiu numa visita um pequeno conto inédito, o primeiro texto dele em
mais de duas décadas, e o publicou. Proporcionou-me uma pontinha de orgulho
notar certa semelhança com minhas crônicas oníricas. Mario Prata é um bom
escritor, mas um textinho do Campos de Carvalho que ele inseriu numa crônica é
melhor do que todo o livro. Fica meu agradecimento eterno ao Prata por ter me
apresentado a um escritor tão magnífico.
Daniel Souza Luz é revisor,
jornalista, escritor e professor
No comments:
Post a Comment