Monday, January 30, 2023

Os anos grunge

Numa ocupação de secundaristas em 2016, na Escola Estadual David Campista, um moleque que gostava de tocar violão estava ensinando os acordes de Come As You Are para um colega dele. Mostrei Eighties, do Killing Joke, no celular. Ele ficou impressionado com a semelhança e lhe expliquei que era uma referência explícita mesmo que o Nirvana havia feito, pois Come As You Are é de 1991 e Eighties, bem, está no nome, é dos anos 1980. Não me lembro mais o nome dele, nunca mais tive contato e se o encontrar hoje talvez sequer o reconheça, mas após me perguntar um pouco sobre músicas dos anos 1980 e 1990, ele me disse algo importante, para o qual dou mais ouvidos agora, depois de questionar minha idade: “Então você foi adolescente mesmo nos anos noventa. Devia dar mais valor àquela época”. Ele está certíssimo, embora eu seja mais apegado às memórias de quando tinha de 13 a 15 anos, de 1987 a 1989, na pré-adolescência. Era sobre isso que estava falando antes dele me interromper e soltar essa verdade na minha fuça. Lembro com muito carinho da turma de amigos daquela época, do New Order, da descoberta do punk rock, skate, das revistas MAD e Chiclete com Banana, que foi minha introdução à HQ underground e o que há de mais interessante na literatura. Esqueço que a época do grunge também foi boa, mas com mais percalços. Minha adolescência ter sido confusa é bem o reflexo do zeitgeist daquele começo de década, que parecia saudável e não foi. Uma das melhores tiradas sobre aqueles tempos é uma entrevista de Buzz Osbourne, do Melvins, pioneiros das bandas de Seattle: um repórter da revista de skate Thrasher perguntou para ele no final daquela década quem era o maior fã do Melvins e ele respondeu: “Kurt Cobain. E veja só como ele terminou. Morto”. Recordo-me também com exatidão de um texto da jornalista Gabriela Dias no excelente fanzine Panacea, que virou uma revista que se destacava em meio às publicações sobre cultura alternativa que pipocaram à época, pois eles faziam uma cobertura mais aprofundada. Ela afirmava no texto que a ascensão do grunge era o início de uma era mais inteligente no rock, sem sexismo e racismo. Foi ingenuidade, é só ver o burríssimo e reacionário público do rock mais estereotipado de hoje, mas era o que aqueles tempos pareciam inspirar. No plano pessoal, nem falo nada da maioria das amizades daquela época – “nem falo nada” é força de expressão. Quase todos hoje são rematados fascistas. É impressionante como não liam os encartes, não viam a imagem da sede do Partido Republicano queimada no In Utero do Nirvana (aquela foto não estava lá por acaso), não se atentavam às letras, mesmo os que sabiam algo de inglês. Tudo bem, quase todas eram crípticas, mas custava ler as entrevistas e tentar entender sobre o que falavam? Só depois que mudei de Poços de Caldas me livrei do que hoje percebo que era um ambiente improfícuo e ignaro, ainda pior do que o da escola no ensino médio – felizmente, não demorou tanto para me afastar. Só fui sentir uma lufada de ar fresco, de cotidianamente descobrir boas músicas, ver bons shows e participar de discussões inteligentes, quando fui cursar a universidade de Jornalismo em Bauru. Serve The Servents dá a letra: “a angústia adolescente valeu a pena”. O instinto estava correto: idiotas devem ser escrupulosamente evitados, sempre, em qualquer época, em qualquer lugar.

Daniel Souza Luz é revisor, jornalista, escritor e professor 

Esta crônica foi publicada na página 8 da edição 7931 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG). Eu mesmo revisei o texto.

Capa do CD The Grunge Years, lançado em 1991 pela Sub Pop, que à época era uma gravadora independente. É uma imagem que ironizava o interesse de gravadoras multinacionais pelo grunge, que estava se tornando popular. Acabou sendo uma imagem profética. Reproduzo aqui na base do uso justo, sem intenção comercial e sem intenção de ferir copyrights.  



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