Esta crônica saiu na página oito da edição do Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 26 de junho de 2021. É uma versão muito encurtada, para caber no jornal, e atualizada do texto que escrevi logo após o show do Peter Hook and the Light no Cine Joia (SP/SP), em dezembro de 2016. Foi revisada pela Juliana Gandra.
Primeiro foi a Austrália, depois a Nova Zelândia e agora os EUA. Países
que já têm shows. Em comum, não têm presidentes negacionistas. Por ora, cultivo
a memória de boas apresentações enquanto aglomerações não voltam a ser algo
normal. Amo New Order desde criança, quando era um grupo tecnopop popular que
sempre tocava no rádio. O primeiro disco deles que ouvi foi a coletânea
Substance, em 1988. Minha música predileta era Ceremony, mas a achava
estranhamente diferente das demais e muito melhor. Só anos depois soube que foi
composta originalmente pelo soturno Joy Division, grupo pós punk cujo vocalista
Ian Curtis se matou em 1980; os sobreviventes a reaproveitaram no New Order. Ou
seja, Joy Division já era minha banda predileta e eu nem sabia. Corta para
2016, 28 anos depois. O baixista do New Order, Peter Hook, está brigado com a
banda e tocará na íntegra e na ordem os dois Substances (o Joy Division também
tem uma coletânea com o mesmo nome) numa turnê, a qual passará para o Brasil. Tinha
que ir, claro. Então peguei o busão com meu amigo Bruno Karnov, já falecido, e
cheguei ao show do Peter Hook and the Light em São Paulo, na Liberdade, às
22:00 em ponto, depois de correr muito pela rua e pela estação de metrô Tietê,
devido a vários contratempos. A divulgação dizia que o show começaria
pontualmente. Até entrar e achar um lugar bom para ver era 22:02. Às 22:03 o
show começou, como se Hooky, o apelido do músico, tivesse me esperado. Muito
obrigado. Do fundo, esbaforido, mais uma gentileza: ele começou com o Substance
do New Order, mas com três músicas bônus do CD extra. A primeira foi a sombria
In a Lonely Place. Procession foi linda ao vivo, o sintetizador emulou bem a
sonoridade original. Preocupado em encontrar um lugar melhor, nem prestei muita
atenção no terceiro som. Soaram os primeiros acordes de Ceremony. Aí sim
começou o disco. Que lindo finalmente vê-la ao vivo. De Everything’s Gone Green
em diante, a parte dedicada ao New Order degringolou um pouco. Não eram
sintetizadores sendo tocados no muque, mas sim bases pré-gravadas idênticas ao
disco; soava como mero playback para que Peter Hook e seu filho se revezarem no
baixo, notadamente enquanto Hooky cantava. Quando esta parte terminou, com todo
o Substance executado mecanicamente e com 1963 de bônus, entrou o som mecânico
rolando Kraftwerk e o próprio New Order. Fiquei com a sensação de que fazia
pouca diferença. Muita gente foi para trás, neste momento, para comprar cerveja
e tomar um ar. Que bom! Cheguei mais perto do palco e, como se não bastasse,
ali chegava o ar-condicionado. Hook e a banda voltaram e também começaram pelos
bônus, mas, ao contrário da seção dedicada ao New Order, não se circunscreveram
ao Substance. Para minha incredulidade, tocaram minha música favorita de todos
os tempos: Disorder. Faltou peso no baixo, tocado pelo filho dele, mas era ela.
Cantei a todos pulmões; até hoje não acredito, parecia um sonho. De quebra,
ainda tocaram Shadowplay. Baque à parte, lá veio: 3,5,0,1,2,5, go! Finalmente o
Substance na ordem original do LP. Os clássicos tocados magnificamente, com
destaque para Dead Souls: sempre achei que ficaria boa com dois baixos e nela
Hook e seu filho complementaram-se. Não esperava nada do final. Love Will Tear
Us Apart é uma música que ouvi ad nauseam. Quando ela teve início, destacando
mais o baixo do que o teclado, aquele arrepio que senti na espinha há 28 anos
subiu de novo. Ainda tinha o espírito e o sentimento.
Daniel Souza Luz é revisor, professor, jornalista e escritor
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