Monday, July 12, 2021

Revolta da Vacina, de André Diniz (resenha)

Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 10 de julho de 2021. O texto foi revisado pela Juliana Gandra. 

Esta graphic novel foi lançada num momento muito oportuno, algo que a editora Darkside fez questão de ressaltar na contracapa. A Revolta da Vacina ocorreu em 1904, no Rio de Janeiro, e já foi tema de ao menos um ótimo romance: Sonhos Tropicais, de Moacyr Scliar, lançado em 1992 e vencedor do prêmio Jabuti em 1993. Ressoa agora na pandemia da Covid-19, com a diferença de que à época a população era desinformada e premida por políticas de gentrificação de gestores elitistas e racistas, como muito bem explana o excelente posfácio desta história em quadrinhos, escrito pelo historiador Luiz Antônio Simas. Agora, como bem sabemos, os anti-vaxxers, os celerados obscurantistas de extrema direita que fazem campanha contra vacinas chegam a influir nas decisões de um presidente neofascista e genocida, que delas desdenhou não por falta de informação, hoje abundante, mas pela fé (não há outra palavra) na mentira e nas notícias falsas. O resultado está aí: um massacre com mais de meio milhão de mortos. Cuidem-se, quem sabe não sobrevivemos para ver o quadrinista André Diniz ganhar os prêmios HQ Mix e Angelo Agostini (as grandes premiações dos quadrinhos brasileiros) de melhor HQ de 2021 por esta obra? Potencial há. Diniz lança mão de um expediente semelhante ao de Scliar: o período logo anterior à Revolta da Vacina, sua eclosão e consequências são pano de fundo para a ficção, mas o drama aqui não é o do sanitarista Oswaldo Cruz, mas sim de um aspirante a caricaturista, Zelito, recém-chegado do Ceará para trabalhar na imprensa carioca. A tensão não é só política e social, há uma trama familiar e amorosa que retorce seu caráter e leva-o (e ao leitor) a rumos imprevistos. O traço de Diniz é facilmente reconhecível e bastante pessoal, mas não deixo de pensar que deva ter ao menos alguma influência de Jô Oliveira. Aliás, o caráter algo pedagógico da obra (poderia e deveria ser adotada por escolas, talvez até seja a intenção dos editores), reforçado pela seleção de cartuns da época num apêndice após o posfácio, me faz lembrar da HQ Hans Standen, um Aventureiro no Novo Mundo, de Oliveira. A diferença primordial é que este procurava ser didático, o que levava a diálogos artificiais e uma narrativa que procurava ser fiel aos registros de Standen, um dos primeiros viajantes a aportar no Brasil, enquanto Diniz constrói uma narrativa robusta, com personagens com profundeza psicológica.

Daniel Souza Luz é jornalista, revisor, professor e escritor





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