Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 10 de julho de 2021. O texto foi revisado pela Juliana Gandra.
Esta graphic novel foi lançada
num momento muito oportuno, algo que a editora Darkside fez questão de
ressaltar na contracapa. A Revolta da Vacina ocorreu em 1904, no Rio de
Janeiro, e já foi tema de ao menos um ótimo romance: Sonhos Tropicais, de Moacyr
Scliar, lançado em 1992 e vencedor do prêmio Jabuti em 1993. Ressoa agora na
pandemia da Covid-19, com a diferença de que à época a população era
desinformada e premida por políticas de gentrificação de gestores elitistas e
racistas, como muito bem explana o excelente posfácio desta história em
quadrinhos, escrito pelo historiador Luiz Antônio Simas. Agora, como bem sabemos,
os anti-vaxxers, os celerados obscurantistas de extrema direita que fazem
campanha contra vacinas chegam a influir nas decisões de um presidente neofascista
e genocida, que delas desdenhou não por falta de informação, hoje abundante,
mas pela fé (não há outra palavra) na mentira e nas notícias falsas. O
resultado está aí: um massacre com mais de meio milhão de mortos. Cuidem-se,
quem sabe não sobrevivemos para ver o quadrinista André Diniz ganhar os prêmios
HQ Mix e Angelo Agostini (as grandes premiações dos quadrinhos brasileiros) de
melhor HQ de 2021 por esta obra? Potencial há. Diniz lança mão de um expediente
semelhante ao de Scliar: o período logo anterior à Revolta da Vacina, sua
eclosão e consequências são pano de fundo para a ficção, mas o drama aqui não é
o do sanitarista Oswaldo Cruz, mas sim de um aspirante a caricaturista, Zelito,
recém-chegado do Ceará para trabalhar na imprensa carioca. A tensão não é só
política e social, há uma trama familiar e amorosa que retorce seu caráter e leva-o
(e ao leitor) a rumos imprevistos. O traço de Diniz é facilmente reconhecível e
bastante pessoal, mas não deixo de pensar que deva ter ao menos alguma influência
de Jô Oliveira. Aliás, o caráter algo pedagógico da obra (poderia e deveria ser
adotada por escolas, talvez até seja a intenção dos editores), reforçado pela
seleção de cartuns da época num apêndice após o posfácio, me faz lembrar da HQ
Hans Standen, um Aventureiro no Novo Mundo, de Oliveira. A diferença primordial
é que este procurava ser didático, o que levava a diálogos artificiais e uma
narrativa que procurava ser fiel aos registros de Standen, um dos primeiros
viajantes a aportar no Brasil, enquanto Diniz constrói uma narrativa robusta,
com personagens com profundeza psicológica.
Daniel Souza Luz é jornalista,
revisor, professor e escritor
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