Friday, January 19, 2007

220 horas por mês

Morte em vida. Não é o tempo todo. Há uma tendência a exagerar isso. Há um ou outro momento bom. Quando chega o fim do dia, esses momentos, no entanto, não compensam o que ficou apodrecendo nas gavetas e armários que começam a ficar malcheirosos, nas caixas de mudanças que permanecem há anos fechadas na casa nova, à espera do tempo desperdiçado em frente à TV para não remoer todas as perdas materiais, morais, sentimentais e financeiras. Vontades e sonhos para um futuro senão melhor, pelo menos diferente, para contar com um mínimo de estímulo, são desperdiçados na busca do arquetípico dinheiro que não nasce em árvore e que mesmo assim não deixa de ser uma perda monetária, pois não fossem escolhas desastradas do passado, tenho certeza que ganharia mais. Pensar em tudo isso é inútil, todo mundo deve pensar nisso todo dia, mesmo que não seja algo tão elaborado em suas mentes. E principalmente não tem valia nenhuma porque quanto mais ganharia menos tempo teria para mim mesmo, embora me torture constantemente pensando em mais dinheiro e em mais tempo. Acabei em contradição, pois passei a vida dizendo para meus pais que grana não é importante e o principal era não aceitar fazer qualquer trampo sacana para ter um bom salário. Por isso dispensei trabalhos horríveis e caí em um trampo também horrível, com o qual me identifico menos ainda que os outros, mas pelo menos sou obrigado a sacanear menos gente. Morte em vida de qualquer forma, tudo isso é obviedade, ninguém agüenta mais me ouvir repetir isso.
Ninguém em casa e entre meus amigos. No trampo não abro o bico sobre esses assuntos, exceto uma ou outra menção para colegas em que tenho confiança. Curioso que quando criança, pelo menos pré-adolescente, é difícil lembrar, mas pelo menos desde quando tinha uma compreensão melhor de como seria a vida adulta, ficava me perguntando se teria um emprego que me desse seguro de vida, plano de saúde e um ambiente que pareceria daquelas firmas que via em revistas, com balcões e chão reluzentes que levavam a ambientes com cores harmônicas, mesas arrumadas e equipamentos de última geração. Tenho tudo isso. Devia me sentir um fodão. Tudo é imaculadamente limpo e mortiço. Todo mundo é engraçado, mas todos os risos são forçados. Nada a se conversar, a não ser sobre futebol, TV, que o governo é uma merda, que precisamos de mais incentivos fiscais e que a polícia devia mandar todos esses marginais para o paredão. E tem as piadas e as brincadeiras, a maioria se chama por diminutivos carinhosos pela frente e pelos apelidos de fato pelas costas. Portanto, nada digo para não arrumar mais confusão além das que travei quando entrei aqui, chamo todos pelos nomes e todos eles têm outros nomes na minha cabeça. Eles me devem chamar de outras coisas pelas costas mesmo. Carcaça, Orca, Ogro, Lesma e Escarro. Há Babuíno, Lerdo e Torto, uma panelinha de puxa-sacos. O Caroço não é tão ambicioso, ele só se ocupa em comer a Manteiga, que é casada. O Mullet é o chefe. Ariel e Boris são os únicos amigos, mais para colegas, na verdade. Toda vez que saio com eles ou me vejo naquelas malditas situações de encontro sociais com o pessoal da empresa só escuto conversas sobre o serviço e a vida de quem trabalha lá. E eles só têm uns aos outros em seus círculos sociais, pelo jeito, ou seja, não têm amigos. Prefiro ter meus amigos de sempre, ainda que raramente os veja. A faxineira é o único ser que me parece um humano, mas nunca lembro o nome dela. Ela nunca diz nada, não finge que está viva. Gente boa.

1 comment:

Anonymous said...

Ai, que merda... por motivos semelhantes surtei recentemente. Agora, em plena fase de transição, tento dissolver a angústia enquanto batalho por uma parada melhor.